domingo, 13 de setembro de 2009

A dialética do letramento na Amazônia

A pessoa corre da vida tão veloz e cretina, mas não percebe a sua lida, lavada e enxaguada na tina. Cada dia recomeçar, cara lavada ao sol, não há como parar. E nem mesmo o girassol amarelo, redundante no seu movimento, sabe indicar o rumo. Há muito para se ver e pouco para se contar. Nem sempre é bom saber quando nada vai mudar, porque escrever e ler são poderes capazes de descortinar o impossível, mas a mudança é risível.

Nasceu índio a pessoa, quase escravo se tornou, e continua desconhecida. Quem conta a história é o vencedor. E a pessoa gritou: - aquece-me a pele uma companhia singular, um beijo daquele que gele e foge sem explicar, porque roubaram a dialética de um calor bem natural. A escrita é assim eclética, mas a sua origem é oral; do mesmo modo que o rural gerou a cidade, a escrita vem da oralidade.

Nunca houve confusão, falta mesmo é policiamento, pois alfabetização nunca foi letramento; este é processo sócio-histórico, interação com o social, compreensão e utilização dos bens sociais inseridos numa sociedade de cultura escrita. E nem sempre o alfabetizado possui tanto letramento.

O estrangeiro quis alfabetizar e até hoje não conseguiu, encontrou a oralidade do índio, cuja aprendizagem desprezou, queria mesmo alfabetizar para ser obedecido e a pessoa que nasceu índio disse ´não´ do seu jeito, não transmitiu conhecimento porque percebeu desinteresse na cultura milenar.

O letramento só pode ser discutido no contexto de uma sociedade de cultura escrita; quando o estrangeiro chegou à Amazônia não havia analfabetos, pois não existia cultura escrita, a oralidade estava presente; também não é o caso de raciocinar com letramento naquele contexto. Essa visão não estava clara na época, até porque a palavra letramento não constituía uma categoria de análise, como ocorre nos dias atuais na área da Educação.

Segundo Moll, “toda prática educativa é expressão de uma teoria do conhecimento, quer ela seja consciente ou não por parte do educador”. Se os estrangeiros soubessem disso quando chegaram à Amazônia, teriam percebido que as práticas educativas dos indígenas estavam fundamentadas em algumas teorias do conhecimento, pois sendo povos de culturas milenares, onde os mais velhos ensinavam aos mais novos os seus saberes, não poderiam os estrangeiros tentar fazer sucumbir tais culturas para implantar o ensino da Língua Portuguesa, com o seu alfabeto e a sua escrita.

A pessoa corre da vida tão veloz, mas o seu nível atual de letramento permite viver na Manaus dos Barés, Tarumãs e Manaós, crescente nos igarapés, periferia e igapós. Cidade cabocla, mulher iara, ilusão dos imigrantes, mas não engana o manauara; os iludidos serão retirantes.

A pessoa nasceu índio e hoje vive em Manaus, sonha com o seu perfume, de amante também voraz, jamais sentirá ciúme dos seus instintos animais. E assim, ela ama a terra de Ajuricaba, sem sofrer com o calor próximo ao Equador, porque Manaus sempre será o seu grande e único amor.

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